terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Tratamento adequado

Presos viciados não recebem tratamento adequado em MG
Publicado no Super Notícia em 25/01/2011
RAPHAEL RAMOS
falesuper@supernoticia.com.br
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FOTO: GUSTAVO ANDRADE
Longe do crime, o agora pastor Rafael confessa ter atuado como traficante na prisão; segundo ele, detentos trocam até comida por drogas
GUSTAVO ANDRADE
Longe do crime, o agora pastor Rafael confessa ter atuado como traficante na prisão; segundo ele, detentos trocam até comida por drogas

O técnico em radiologia Carlos Henrique, 29, é viciado em crack. Durante dez meses e 19 dias, ele ficou preso em três unidades prisionais de Minas Gerais. Nesse período, o rapaz não pôde contar com a ajuda do Estado para suportar a ausência forçada do entorpecente. Isso porque o governo não possui um plano específico de tratamento para detentos que têm problemas de dependência, seja alcoólica ou com entorpecentes.

"Chegava a sonhar com a droga. Mas era eu quem tinha que suportar. Não tinha outro jeito. Não recebi remédio, nem ajuda psicológica para controlar o desejo que eu tinha de usar o crack", lembra Carlos Henrique. A experiência vivida pelo técnico em radiologia não é uma exceção. Atualmente, os presos distribuídos nas 117 unidades prisionais do Estado que têm diagnosticada alguma dependência contam com atendimento apenas em casos de crises.

De acordo com o superintendente de atendimento ao preso da Secretaria de Estado de Defesa Social (Seds), Guilherme Soares, o dependente recolhido em uma unidade prisional, ao sofrer uma crise por falta de drogas, por exemplo, é socorrido e medicado no núcleo de saúde existente no local. Os ambulatórios são obrigatórios em unidades prisionais com capacidade para mais de cem presos. Em casos mais graves ou no caso de penitenciárias onde o serviço não é disponibilizado, o detento é encaminhado a um hospital credenciado pelo Serviço Único de Saúde (SUS).

O superintendente explica que, quando um preso é admitido em uma unidade prisional, ele passa por uma bateria de exames que vão diagnosticar se possui algum tipo de dependência e se ela é ou não crônica. Segundo Soares, se o quadro for crônico é, então, notificado à Secretaria Antidrogas do município ou do Estado, para que seja realizado o tratamento. Nos casos de requerimento judicial, o paciente é encaminhado ao Hospital de Toxicômanos Padre Wilson Vale da Costa, em Juiz de Fora. Atualmente a unidade de saúde abriga apenas 66 pacientes.

Apesar de reconhecer que possui detentos dependentes de álcool ou drogas recolhidos em suas unidades prisionais, a Seds não tem um levantamento de quantos são.

Sem integração. Por ser o vício uma questão de saúde e os presos serem uma responsabilidade da Seds,o presidente da Comissão de Assuntos Penitenciários da Ordem dos Advogados (OAB) seção Minas, Adilson Rocha, entende que deveria haver uma parceria entre a Seds e a Secretaria de Estado de Saúde para atender aos criminosos viciados. "Há uma falta de interesse para tratar esse tipo de preso. Já existiram conversas para trabalhar o problema, mas nada efetivamente foi feito", criticou.

Através de nota, a secretaria de Saúde informou que o órgão oferece atendimento a dependentes conforme a Política do Ministério da Saúde para a Atenção Integral a Usuários de Álcool e Outras Drogas. Segundo a nota, os serviços especializados para atenção ao dependentes são os Centros de Atenção Psicossocial Álcool/Drogas (CAPS ad), que pode tratar detentos e também cidadãos comuns. Em Minas Gerais, são 21 unidades. Elas possuem equipe composta por psiquiatra, clínico geral, psicólogos, assistentes sociais, terapeutas ocupacionais e enfermeiros.

MINI ENTREVISTA COM
CARLOS HENRIQUE,29,
Técnico em radiologia

Quando você passou a usar droga? Eu era adolescente. Comecei com maconha, depois passei para cocaína e me viciei no crack.

Por que você foi preso? Eu estava viciado. Durante os últimos cinco anos, usava crack quase diariamente. Eu ficava acordado uns cinco dias direto e depois dormia outros dois. Já cheguei a dormir na rua, em um ponto de ônibus. Então, eu perdi meu emprego e não tinha dinheiro. Daí, comecei a furtar porque eu queria usar a droga o tempo todo. Acabei preso em flagrante.

Como foram os momentos na prisão? Eu fiquei nos Ceresp São Cristóvão e Gameleira. Depois, fui para a penitenciária em Bicas. Na prisão, eu lembro que, em vários dias, eu tinha vontade de usar a droga. Quando sentia falta, ficava ansioso e me irritava facilmente. Eu evitava conversar sobre o assunto com os outros presos porque era nessa hora que eu sentia mais vontade. Muitas vezes, eu sonhava que estava usando, ou então roubando, para usar o crack. Eu acordava e tinha que fumar um cigarro e me segurar.

Outros presos também tinham esse problema? Sim. O povo fica mais nervoso. O clima é tenso. Mas parece que alguns conseguiam maconha. Eu nunca me interessei porque eu queria parar. Sem contar que, para conseguir lá dentro, o preço é alto.

Qual era o seu maior medo na prisão? Eu tinha medo de quando eu fosse sair. Ficava angustiado por saber que poderia ter contato com a droga e voltar a usar. Isso aconteceu principalmente nos últimos dois meses. Só consegui me resolver bem porque tive ajuda da família. Acho que eu deveria ter sido preparado dentro da prisão. Enquanto estive lá, nunca recebi ajuda de um psicólogo. Se esse trabalho fosse feito, com certeza, evitaria a reincidência.

Quais são os seus planos para o futuro? Quero ocupar meu tempo, voltar a trabalhar. O vício é uma doença sem cura. Estou controlado, mais forte para lutar contra ela.

FISCALIZAÇÃO
Acesso facilitado às drogas
Raphael Ramos

A Secretaria de Estado de Defesa Social (Seds) alega manter um intensivo trabalho de vistoria nas visitas às unidades prisionais de Minas Gerais. Ainda assim, os recolhidos nas cadeias têm acesso às drogas e conseguem sustentar o vício. Na maioria das vezes, eles são ajudados por parentes que burlam a fiscalização e entram com as substâncias nos presídios. Em outros casos, os detentos também contam com a facilitação por parte de agentes penitenciários.

As denúncias partem de parentes de presos e ex-detentos, como o agora pastor Rafael. Ele ficou recolhido por seis meses, entre 2006 e 2007, no 4º Distrito Policial de Contagem - cuja cadeia já foi desativada - e no Centro de Remanejamento de Presos (Ceresp) de Betim, na região metropolitana da capital, por tráfico de drogas.

Na prisão, Rafael viu de perto o vai e vem de entorpecentes como cocaína e crack, "algo comum" entre os presos. Hoje, em liberdade e fora do mundo da criminalidade, o religioso confessa ter atuado como traficante dentro da unidade prisional.

"Até hoje, a droga entra com as mulheres que vão visitar os maridos ou filhos. Mesmo dentro da prisão, os usuários que têm dinheiro conseguem comprar. Os que não têm trabalham para outros presos e, como pagamento, recebem a droga", conta o pastor. Segundo ele, como alguns detentos sentem muita falta do entorpecente, eles se submetem a lavar roupa, fazer faxina e até mesmo entregar aos traficantes a comida recebida de parentes, em troca da droga.

A irmã de um detento recolhido no Centro de Internação Provisória de Sete Lagoas - uma dona de casa de 21 anos que pediu para não ser identificada - conta que o rapaz, de 18 anos, consegue sustentar o vício em maconha por meio de presos que cumprem regime semiaberto. Segundo ela, eles aproveitam as saídas para pegar a droga e levar para dentro da unidade.

"Entro com a droga no tênis. Nem sempre a vistoria consegue pegar", conta. Segundo a dona de casa, o irmão dela é dependente da droga e, quando não tem acesso ao entorpecente, costuma ficar nervoso. "Me contaram que ele socava a porta da cela e até já chegou a agredir outro detento", relata.

Deficiência. Para o pesquisador do Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública (Crisp) da UFMG Robson Sávio, a entrada de drogas nas unidades do sistema prisional reflete uma fiscalização deficiente e aponta para o problema da corrupção entre os agentes.

De acordo com o especialista, o Estado deveria, além de melhorar as ações de fiscalização e punição, qualificar e intensificar o trabalho de recuperação dos presos no que diz respeito ao tratamento dos dependentes de drogas e álcool. "É função do sistema oferecer ao preso a oportunidade de se tratar, para que ele possa sair e não voltar a cometer crimes", argumenta.

A Seds informou, por meio de nota, que a Superintendência de Administração Prisional (Suapi) realiza, "sistematicamente", nas 117 unidades prisionais sob sua administração, vistorias e operações de varredura em celas, em busca de materiais ilegais que, porventura, estejam em posse de detentos.

Ainda de acordo com a secretaria, as ações são realizadas por agentes treinados especificamente para a atividade. Além disso, diz a nota, as unidades prisionais contam com detectores de metais para prevenir a entrada de objetos ilícitos.

SEGURANÇA
OAB defende separação em alas distintas

Devido à falta de tratamento específico, muitos presos dependentes sofrem crises pela falta da droga. Um agente da Penitenciária Nelson Hungria, em Nova Contagem, na região metropolitana da capital, afirma que a situação é mais frequente nas celas em que há presos jovens ou recém-chegados. "Eles ficam nervosos. Alguns esmurram as portas das celas. Isso gera confusões com outros presos, e aí temos que intervir", afirma.

Para o presidente da Comissão de Assuntos Penitenciários da Ordem dos Advogados do Brasil em Minas (OAB-MG), Adilson Rocha, a melhor alternativa seria a separação dos detentos viciados em alas ou unidades específicas. "Esta é até uma questão de segurança dos presos. Tanto para aqueles que estão em crise, quanto para os demais", ressalta.

Na avaliação do representante da entidade, os tumultos provocados pelos presos dependentes redobram o trabalho e os prejuízos ao sistema prisional. "Esse preso (dependente) causa instabilidade", afirma. Para Rocha, a separação desses detentos em uma única unidade tornaria a segurança dentro das cadeias mais eficiente.

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