sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

O Brasil e a ilusão do seu sistema Penal " Procurador de Justiça apos

Procurador de Justiça aposentado, advogado, mestre em Direito Penal e professor universitário (jc.robaldo@terra.com.br)


6 de Fevereiro de 2015 | 00h00
José Carlos de Oliveira RobaldoJosé Carlos de Oliveira Robaldo
Pressupõe o sistema normativo brasileiro que vivemos em uma Suíça ou, ainda, na península escandinava. Esquece-se, entretanto, que nossa realidade é outra diametralmente oposta, a começar pela dimensão do nosso território e consequentemente pela sua diversidade, pela sua complexidade geográfica, climática, inclusive, cultural. Na verdade, temos vários “países” dentro dos seus 8.515.767,049 km2. Ou seja, trata-se de um País com peculiaridades singulares.
Entretanto, o nosso legislador, o nosso judiciário, enfim, o Estado como um todo, ao que parece, não tem a dimensão dessa realidade, pois costumeiramente cria normas inexequíveis, quando não as interpreta como se o contexto fático fosse outro. Isto é, louvando-se em realidades de outros países completamente diferentes do nosso contexto, estabelecem-se regras que, se funcionam lá, aqui, ao contrário, não funcionam; ou, como se diz popularmente, não “pegam”. 
Não “pegam”, basicamente, por dois motivos, de um lado porque as nossas culturas (usos, costumes e valores) são diferentes (país de dimensão continental), por outro, porque falta estrutura ao Estado para implementar, executar e fiscalizar certas exigências normativas. Essa é a nossa realidade incontestável. Isso, entretanto, não significa que não devemos evoluir.
A chamada: “Preso em flagrante em SP terá de ser apresentado ao juiz em até 24 horas”, estampada no jornal Folha de S. Paulo, no último dia 3, C5, é mais uma falácia desse contexto. Essa iniciativa, consoante referida reportagem, inicia-se a partir da cidade de São Paulo e que será estendida ao território nacional, em relação a todo o sistema de prisão em flagrante, idealizado pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça), a partir da assinatura, pelo Brasil, há 22 anos, de pacto internacional. 
Prevê, em síntese, essa nova iniciativa que o preso em flagrante, obrigatoriamente, deve ser apresentado, pela polícia, a um juiz, no prazo máximo de 24 horas, cabendo-lhe decidir, na hora, se mantém a pessoa na prisão, se lhe concede fiança (valor pago para permanecer em liberdade), ou se lhe concede alguma medida processual alternativa, como, por exemplo, o uso de tornozeleira eletrônica.
Segundo o CNJ, essas “audiências de custódia” se justificam, basicamente, em dois fundamentos: evitar que pessoas presas sejam torturadas para confessar crimes e, ainda, reduzir a lotação de presídios. Não há dúvida que os dois propósitos são louváveis. Entretanto, em face da nossa realidade estrutural, são ilusórios, pela sua inexiquibilidade.  
Não é por acaso que o Ministério Público do Estado de São Paulo e a Associação dos Delegados da Polícia Federal se manifestaram incrédulos com a eficácia dessa iniciativa. Especificamente em relação à cidade de São Paulo. Argumentam, em síntese, a existência de algumas dificuldades para a sua implementação, tais como o elevado número de prisões, pois, segundo o próprio Tribunal de Justiça de São Paulo, a cidade tem uma média de 75 flagrantes por dia, com pico de 120 casos (Folha de S. Paulo, p. C5, de 03.02.2015); o tamanho da cidade, a necessidade de grande mobilização do poder público e a falta de estrutura adequada para fazer frente a essa demanda em um exíguo espaço de tempo (24 horas). Esse mesmo quadro, com maior ou menor proporção, pode ser estendido a todo o território brasileiro. Os Estados e nem mesmo a União (crimes federais ou não) têm estrutura material e humana para cumprir essa determinação. Imaginem o que pode acontecer com uma cidade distante da comarca (onde ora existe, ora não existe juiz), o que não é incomum. Portanto, seu fracasso é evidente. Sem considerar que sua execução, além de prejudicar serviços essenciais de segurança pública, trará mais complicações à mobilidade do trânsito. 
Aliás, é bom lembrar que a comunicação imediata à autoridade judiciária sobre prisão em flagrante é obrigatória a quem cabe decidir se mantém ou não a prisão. Isso significa que já existe previsão objetivando respeitar os direitos fundamentais do preso. É uma exigência constitucional.
Enfim, vamos esperar.

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