Presidente do TJMG defende que apenas condenados perigosos fiquem presos
Carlos Henrique/Hoje em Dia
Presidente do TJMG afirma que o auxílio-moradia é um direito dos magistrados, e não um privilégio
Em meio à discussão sobre o fim do exame da OAB para futuros advogados, como defende o presidente da Câmara Federal, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), o presidente do TJMG, Pedro Bitencourt, se coloca contrário à opinião do deputado e defende a manutenção da avaliação, considerada por ele um filtro. Ao Hoje em Dia, Bitencourt sustenta o pagamento de auxílio-moradia como sendo uma questão de direito. E ele não poupa críticas à conduta do juiz do caso Eike Batista.
Qual é o déficit de juízes no Estado?
Diante da demanda, sempre haverá um déficit de juízes. E mais. A Justiça é cara. O poder Judiciário é caro. Só para dar um exemplo, o custo médio de um processo está por volta de R$ 5 mil. O Estado, muitas vezes, propõe a ação de execução para receber uma dívida tributária de R$ 200, R$ 300. Quer dizer, para o próprio Estado sai mais caro cobrar a dívida do que receber. O cidadão, por exemplo, que é beneficiário da Justiça gratuita, vai receber, às vezes, R$ 300, mas o custo médio dessa ação é bem mais alto.
Como os mais carentes têm acesso à Justiça?
Através da Justiça gratuita, da Defensoria Pública e dos advogados.
Mas esse atendimento é satisfatório?
É difícil falar. A Constituição garante a ampla acessibilidade. E a Constituição fala que o Estado garantirá o acesso gratuito a quem de necessidade. O legislador garante esse acesso também a quem dele necessitar. Mas isso é uma presunção. A necessidade basta ser alegada, ela é presumida. Então, na realidade o que acontece é que muitas pessoas também abusam da Justiça gratuita. Se tivessem que pagar, talvez não entrariam tanto com ações que às vezes são temerárias, porque essas pessoas não vão ter consequência nenhuma. Não vão perder nada.
Qual a sua avaliação sobre o sistema prisional brasileiro?
Há superlotação, o Estado não dá conta de manter o mínimo de condições para os presos. O custo é grande, não é fácil mantê-lo. Portanto, o sistema brasileiro não é um sistema bom. Ele é falho. Mas o problema da superlotação poderia ser resolvido de outras formas. Por exemplo, não manter na cadeia quem não deveria estar lá. Observar melhor a questão da prisão em flagrante, da prisão preventiva.
Penas alternativas podem ser um caminho?
Sim, assim como observância na lei na hora de determinar o regime. Por exemplo, como muitas vezes acontece, o sujeito é preso em flagrante por um determinado crime, e ele é mantido em prisão temporária, provisória, até a condenação. E na condenação definitiva ele é apenado com um regime aberto depois de um ano. Ou seja, ele passou 12 meses preso, sendo que ao final o Estado reconhece que ele é culpado sim, ele cometeu um crime e merece uma reprimenda. Mas que essa reprimenda tem que ser cumprida em regime aberto. É uma incoerência.
O sistema regenera alguém ou o preso sai de lá pior do que entrou?
Provavelmente. O sistema como é hoje é uma escola do crime. Por isso deveria somente ficar preso aqueles de alta periculosidade, que são pessoas que soltas levariam perigo à população.
As leis precisam mudar?
Há excessos de benesses como indultos de Natal, redução de pena etc? Não. Isso é normal, faz parte. Indultos, novas leis que abrandam as penas, remissão de penas. Isso tudo é válido. A pena não tem caráter só de punição. Ela também tem a finalidade de reinserção.
O processo conhecido como “mensalão mineiro” está parado por falta de juiz. Isso não contribui para a sensação de impunidade?
Claro. Toda vez que notícias assim, em que se fala que determinado fato que está sendo julgado está ainda pendente de julgamento, ou atraso, contribui para esse sentimento. Agora, o caso do mensalão mineiro retornou do Supremo por uma questão legal. Ele voltou para a Primeira Instância, e aí há uma presunção constitucional que é a inocência. Ninguém pode ser considerado culpado até a sentença condenatória. E não é que a Vara não tenha juiz. Foi designado um juiz auxiliar para lá, enquanto ela não é provida por um juiz titular. O que aconteceu foi que a juíza titular se aposentou. Ao pedir a aposentadoria, foi designado um juiz auxiliar. E foi aberto edital para o provimento da vaga. E esse provimento ia ocorrer agora, semana passada, mas foi adiado em razão de uma decisão do Conselho Nacional de Justiça, que determinou que a lista de antiguidade dos magistrados fosse refeita. Não foi só nesta Vara. Então, temos que republicar os editais. Mas lá existe um juiz auxiliar que pode perfeitamente julgar esse processo.
Recentemente, o TJMG concedeu auxílio-moradia para juízes e desembargadores com casa própria. Isso é privilégio ou direito do magistrado?
É uma questão de direito. Há previsão na Lei Orgânica da Magistratura Nacional. O auxílio-moradia é previsto desde 1986. Tanto é que o Supremo e o CNJ estabeleceram sobre a legitimidade do auxílio-moradia. As pessoas, às vezes, ficam um tanto impressionadas com os rótulos que damos às coisas. O auxílio-moradia não é um privilégio, ele é um direito. É uma forma de remuneração. Qual é o problema todo quando se fala em auxílio-moradia? A lei é clara. As pessoas falam que quem tem casa própria não merece o auxílio. Mas, na verdade, ele é uma verba destinada a pagamento do juiz da ativa – aposentado não ganha – que exerce a atividade na comarca onde não há casa oficial para o juiz. Temos 298 comarcas em Minas. Imagina a capilaridade disso no Brasil. E o juiz é designado. Ele sai da casa dele, do lugar onde mora e vai para um outro local em que tem que pagar aluguel, morar em outro local, transferir a família. Mas a lei prevê que no caso onde há residência oficial – hoje, em torno de 30% das comarcas têm casas – os juízes não recebem auxílio-moradia. Ele não é feito de forma indistinta. Ele é feito com base no critério da lei. Por exemplo, se dois juízes são casados, só um deles recebe o auxílio. Da mesma forma acontece se um juiz é casado com uma promotora ou uma funcionária pública federal. Eles também recebem. É que só taxam a gente.
Quando o governo não resolve, a Justiça, principalmente o STF, toma as rédeas de alguns temas. Isso é benéfico para a democracia? Exemplo: o Supremo começou a julgar regra que impede a doação de empresas privadas para as campanhas. Essa discussão é do Congresso ou da Justiça?
Pelo nosso sistema, o Judiciário é o único poder que tem a última palavra. A judicialização da política muitas vezes demonstra que os atores não foram capazes de solucionar a contento. Aí a questão vai ao Judiciário que, por sua vez, não pode se furtar a examinar se houve ou não lesão. O que ele não pode fazer é ir além. Ele tem que se conter para que ele não entre na seara dos outros poderes. Mas também não pode ter um papel inerte.
Pelo nosso sistema, o Judiciário é o único poder que tem a última palavra. A judicialização da política muitas vezes demonstra que os atores não foram capazes de solucionar a contento. Aí a questão vai ao Judiciário que, por sua vez, não pode se furtar a examinar se houve ou não lesão. O que ele não pode fazer é ir além. Ele tem que se conter para que ele não entre na seara dos outros poderes. Mas também não pode ter um papel inerte.
O presidente da Câmara, Eduardo Cunha, quer acabar com a prova da OAB. Qual a sua opinião?
O exame da Ordem é necessário. Hoje há uma proliferação de faculdades de Direito. Semestralmente, milhares de bacharéis saem das faculdades. O exame serve como um filtro e deve ser mantido.
O exame da Ordem é necessário. Hoje há uma proliferação de faculdades de Direito. Semestralmente, milhares de bacharéis saem das faculdades. O exame serve como um filtro e deve ser mantido.
Como o senhor acompanhou o noticiário envolvendo o juiz do caso Eike Batista? Houve abuso da parte dele?
Não houve abusos. Na verdade, há indícios de crime, falta funcional, falta de decoro e ofensa ao código de ética dos juízes. É claro que são indícios. Mas ele foi afastado e está sendo processado. O fato é ruim. Pior é quando esse magistrado não é punido, até porque ele serve de paradigma para a sociedade, porque é ele quem decide os conflitos.
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