Enquanto o povo paulista "livre" completará em agosto dois anos sob
as regras da Lei Antifumo, o sistema penitenciário de São Paulo segue
alheio às restrições ao cigarro e, ao contrário do que ocorre nos
restaurantes e demais estabelecimentos fechados, continua a colocar em
risco a saúde dos chamados fumantes passivos.
Tanto os presos não-fumantes como os cerca de 30 mil agentes
penitenciários são constantemente submetidos à convivência com uma
população carcerária de 170 mil indivíduos que abriga fumantes
“compulsivos", já que uma resolução do governo estadual isentou os
presos de seguir a nova legislação (os carcereiros, por sua vez, hoje
só podem fumar em ambientes abertos).
“Imagine um ambiente apertado, sem ventilação, com 30, 40 homens sem
ter o que fazer e que fumam para passar o tempo. Eles fumam muito.
Compulsivamente. É uma fumaceira tão grande, mas tão grande, que a
gente, algumas vezes, tem dificuldade de visualizar o interior da
cela”, afirma Daniel Grandolfo, diretor do Sindicato dos Agentes de
Segurança Penitenciária do Estado de São Paulo (Sindasp).
Segundo ele, que não consome cigarros e trabalha na penitenciária
Wellington Rodrigo Segura, em Presidente Prudente, interior do Estado,
a “contaminação” tem início logo de manhã, quando é feita a contagem
dos detentos. “Eu já começo a ‘fumar’ logo às 8h. Eles tomam café
naquele ambiente. E a fumaça vai direto para a gaiola que ficamos. Não
tem jeito”, diz ele.
No final do turno, assim como acontecia com os paulistas que
freqüentavam ambientes fechados antes da Lei Antifumo, a prova da má
qualidade do ar fica impregnada nas roupas. “Quando eu chego em casa,
minha camisa está pura ‘carniça’. Vou direto para o banho. A vida do
agente está sendo comprometida”, argumenta o carcereiro, dizendo já ter
feito reivindicações, via sindicato, às autoridades paulistas – todas
sem resposta.
Presos não-fumantes
Ao lado dos agentes penitenciários, sofrem os presos não-fumantes.
Segundo a Secretaria de Administração Penitenciária (SAP), não há dados
que apontem em quantos eles são no Estado. O órgão afirma que “as
direções de unidades prisionais têm destinado celas para presos não
fumantes”, mas não informa em quais presídios nem fornece outros
números sobre a suposta segregação.
De toda forma, o próprio sindicato, além de entidades que atuam nas
penitenciárias, negam que essa separação seja uma política
generalizada. “Entro em presídios mais de uma vez por semana. E nunca
vi cela em separado para não-fumantes”, afirma Haeidi Cerneka, da
coordenação nacional da Pastoral Carcerária. “Isso não existe”,
complementa Grandolfo, do Sindasp.
Na prisão, a situação é agravada por peculiaridades do sistema
prisional. Como os maços são culturalmente uma moeda de troca na
cadeia, o volume de cigarros que entra e sai é sempre grande.
Características dos grupos que dominam as cadeias também têm
influência no quadro. “O PCC, por exemplo, proíbe o consumo de crack na
prisão. Então o viciado que entra, para suportar a ‘fissura’, fuma
cigarro um atrás do outro”, explica José de Jesus Filho, assessor
jurídico da Pastoral Carcerária.
Além disso, como acontece na penitenciária Wellington Rodrigo
Segura, em Presidente Prudente, os membros da chamada Seita Satânica
consomem charutos feitos de fumo de corda em seus rituais. “A fumaça
que eles produzem é grossa e forte”, diz Grandolfo, do Sindasp.
Posição oficial
Procurada e solicitada a agendar uma entrevista com alguma
autoridade sobre o tema, a SAP afirmou que “a pauta está prejudicada,
uma vez que não possuímos dados estatísticos sobre o assunto”.
O órgão, alegando questões de segurança, não autorizou a entrada do repórter em prisões do Estado.
A SAP informou que está fazendo, a pedido do
UOL Notícias,
um levantamento sobre a incidência de problemas pulmonares em presos.
De toda forma, anunciou que não há data para término da pesquisa, que
será publicada assim que repassada ao repórter.
Já a Secretaria Estadual de Saúde, uma das pastas responsáveis pela
implementação e discussão da Lei Antifumo, informou que “as prisões têm
administração própria e que, por isso, não têm de cumprir a lei, assim
como consta na lei”.
Apesar de questionada, a secretaria não entrou no mérito da possível
ameaça da liberação do fumo à saúde dos presos não-fumantes e
carcereiros.
http://noticias.bol.uol.com.br/brasil/2011/07/15/livre-de-restricao-fumo-nas-cadeias-ameaca-saude-de-carcereiros-e-presos-em-sao-paulo.jhtm