Há dois anos e meio, a Justiça de Minas Gerais recebeu a denúncia do chamado mensalão mineiro, esquema de desvio de recursos públicos que abasteceu o caixa de campanha de políticos do PSDB local e, tal qual o do PT, também era operado pelo publicitário Marcos Valério. De lá para cá, o processo transcorre em ritmo lento e os crimes imputados aos principais envolvidos caminham para a prescrição. É uma situação bem diferente da que se verificou no julgamento contra a cúpula petista, que já se encontra em fase de apresentação de recursos no STF. No processo mineiro, nem todas as testemunhas foram ouvidas e muitas não foram sequer intimadas. Dos 130 mandados expedidos até agora, apenas 75 chegaram às mãos dos destinatários. Contrariando o trâmite usualmente adotado pela Justiça, testemunhas que moram em oito cidades vizinhas a Belo Horizonte estão sendo ouvidas por carta precatória. Depoentes do município de Nova Lima, a 20 quilômetros da capital, por exemplo, foram acionados por correspondência, em vez de comparecer a audiências no Fórum Lafayette, no bairro Barro Preto, região central de Belo Horizonte.
OS RÉUS AGRADECEM
Esquema de desvio de recursos públicos que abasteceu o caixa de
campanha de políticos do PSDB local, operado por Marcos Valério,
só será julgado depois das eleições de 2014
Os advogados que atuam no processo atribuem a morosidade à atuação da titular da 9ª Vara Criminal do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, a juíza Neide da Silva Martins. Utilizando métodos ultrapassados, a magistrada imprime ao julgamento do mensalão tucano uma dinâmica burocrática. Considerada ríspida no trato com advogados, Neide não aceita conversas de bastidor, chamadas ironicamente de “embargos auriculares”. Mas cedeu à pressão dos defensores e permitiu que arrolassem oito testemunhas por fato contido na denúncia do Ministério Público, em vez de oito por réu, como ocorre normalmente. Com isso, o rol de depoentes ultrapassou a marca de 100 pessoas, entre eles uma testemunha que mora nos Estados Unidos.
Sem pressa aparente para concluir o processo, Neide decidiu reservar apenas um dia da semana para analisar o caso. Nos outros, debruça-se sobre outros processos sob sua batuta. Para tornar o trâmite ainda mais lento, audiências de instrução são escassas e costumam ser desmarcadas no decorrer da tramitação. Na última sessão, do dia 7 de junho, a juíza estava afônica e cancelou a reunião. Formada em letras antes de cursar direito, Neide também aplica aos advogados do mensalão mineiro uma cartilha de padronização de texto, dando margem para os defensores ganharem mais prazo ao reformar peças fora das normas de estilo ditadas pela magistrada.
A burocrática condução do mensalão mineiro pela magistrada já produziu até folclores. No ano passado, Neide suspeitou que o advogado Leandro Bemfica, representante de Eduardo Guedes – ex-secretário do governo Eduardo Azeredo e responsável pela produção do programa nacional do PSDB –, estava piscando para uma testemunha. O objetivo seria o de conduzir o conteúdo do depoimento. A juíza arguiu o advogado, que saiu-se com esta: “Eu pisquei porque estamos apaixonados”, justificou. A juíza aceitou a explicação esdrúxula e seguiu com o depoimento. No esquema mineiro, Guedes tinha atuação semelhante à de Luiz Gushiken, ex-ministro absolvido no mensalão. À ISTOÉ, o advogado justificou a provocação atribuindo a história a um “incidente de audiência”. Ele afirma que a demora no julgamento prejudica seu cliente, profissional da área de comunicação. “Nós temos o maior interesse que seja julgado logo, porque meu cliente está sofrendo danos profissionais”, afirmou. Durante a semana, a ISTOÉ procurou a juíza por meio da assessoria do TJMG. Ela informou que não poderia falar sobre o processo, pois a ação ainda está em curso, e não respondeu às perguntas enviadas pela reportagem.
A lentidão do processo do mensalão mineiro se tornou cômoda para os advogados de defesa, pois parte dos réus pode ter a pena prescrita antes mesmo da sentença. Dependendo do tipo de pena, da idade dos réus e da necessidade de novas diligências provocadas por depoimentos de testemunhas, a possibilidade de prescrição de punição no mensalão mineiro é real. A expectativa é de que o processo só seja concluído após as eleições de 2014. Com base na denúncia do Ministério Público, o criminalista Guilherme San Juan Araújo analisou, a pedido da ISTOÉ, a situação dos 13 réus. San Juan verificou que, da maneira como transcorre o processo, dificilmente Cláudio Mourão – que no esquema petista poderia ser comparado ao tesoureiro Delúbio Soares – cumprirá pena. Como Mourão completará 70 anos em abril de 2014, automaticamente o prazo de prescrição – de crimes como peculato e lavagem de dinheiro – é reduzido à metade. Assim, se Mourão for condenado depois dessa data, os crimes imputados a ele já estarão prescritos. Isso já ocorreu com Walfrido Mares Guia, que fez 70 anos em 2013. Outros réus, como Eduardo Brandão, também podem se beneficiar do calendário, se, em recurso, a sentença for reformada. Os réus agradecem.