Os autores da invasão a cadeia feminina de Cáceres para resgatar duas presas traficantes; executaram a queima-roupa um policial militar que tentou impedir a ação e, ainda tentaram contra a vida de uma agente prisional, foram colocados em liberdade, há pouco mais de três anos do ocorrido. O conselho de sentença, escolhido para julgar as seis pessoas, que praticaram o crime, votou pela pena branda dos réus. A decisão provocou uma revolta generalizada. Policiais militares, agentes prisionais, estudantes de Direito e as demais pessoas que acompanharam o julgamento, abandonaram o plenário, antes mesmo da juíza, concluir o resultado da sentença. Inconsolado o promotor Samuel Frungilo, diz que irá recorrer junto ao TJ para anular o júri.
O crime que abalou a opinião pública estadual, com repercussão a nível nacional, aconteceu na tarde de 1 de agosto de 2008, quando dois homens - Alfredo Vagner Moraes e Ailton Moreira Santos -, armados de revólveres, invadiram o prédio da cadeia feminina do município, no centro da cidade, renderam uma agente e exigiram que ela libertasse as presas – Lúcia Ângela da Silva e a boliviana Marta Romera, ambas presas por tráfico de drogas. Ao ser acionada, a PM enviou ao local vários policiais que foram recebidos a balas. Na tentativa de evitar o resgate, o cabo Marcos Oliveira Sabala, 30 anos, foi alvejado por um tiro a altura do pescoço, disparado a queima-roupa por Alfredo Vagner. Ele ainda correu alguns metros, mas não resistiu aos ferimentos e caiu morto.
Comandante do 6º BPM à época, coronel João Evangelista do Nascimento, disse que os policiais tiveram dificuldade em conter a ação porque, ao saírem do prédio, Alfredo e Ailton, usaram presas como escudo humano. “Se os nossos policiais atirassem atingiriam as presas que foram usadas como escudo”, justificou. Após a troca de tiros, conforme o coronel Evangelista, os bandidos se recuaram adentrando ao presídio fazendo várias detentas reféns. Algumas, segundo o comando, foram espancadas e ameaçadas de morte. A partir daí começaram as negociações para que eles se entregassem. Alfredo e Ailton, segundo a PM, exigiam um carro para a fuga e a presença da imprensa para intermediar as negociações. Após 40 minutos eles se entregaram.
A prisão dos demais integrantes do bando – Vandair Boone Wagner e Vanda Boone Wagner, irmãos de Alfredo, foram presos, alguns dias após em Cuiabá. De acordo com o promotor Samuel Frungilo, eles teriam participado do crime, vindos da capital para Cáceres; alugado uma casa e fornecido um carro para que a dupla empreendesse fuga após a ação. Consta ainda no processo, o envolvimento de Albertino Ferreira Sales que está foragido. A boliviana Marta, não foi a júri, de acordo com o promotor, porque o processo foi desmembrado, e ela conseguiu a liberdade, através do Tribunal de Justiça.
O resultado do julgamento surpreendeu à todos. Autor do disparo que vitimou o policial, Alfredo Vagner foi condenado por homicídio simples, cuja pena varia de 6 a 20 anos. Por não ter antecedentes, a juíza Graciene Pauline Mazeto Correa da Costa, imputou a pena mínima de 6 anos. Como ele já cumpriu 3, cumprirá o restante em regime semi-aberto, respondendo o processo em liberdade; o comparsa de Alfredo, Airton Moreira, acusado de facilitação de fuga e tentativa de homicídio contra a agente prisional, Kesiane Oliveira Silva, cuja pena varia de 2 anos a 6 meses, “pegou” apenas 1 ano e 4 meses, que também cumprirá em regime semi-aberto, respondendo em liberdade. Valdeir foi sentenciado a apenas seis meses de reclusão, em regime semiaberto e Vanda e Lúcia, foram absolvidas. (SE FOSSE UM POLICIAL PEGARIA 30 ANOS POR ERRAR UM TIRO E MATAR ALGUÉM)
Inconformado com a decisão dos jurados, o promotor Samuel Frungilo, disse que já recorreu junto ao Tribunal de Justiça, na tentativa de anular o julgamento. No entendimento do representante do Ministério Público todos deveriam ser condenados. As provas da materialidade do crime, segundo ele, são contundentes. “Já estamos recorrendo para anular esse julgamento” disse afirmando que “houve violação do processo legal”.
Além das provas “contundentes” ele argumenta que os advogados de defesa interferiram, indevidamente, instruindo os réus, no momento do interrogatório, através de gestos e até de palavras, para que eles, não respondessem as perguntas tanto da juíza que presidiu a sessão quanto do MP.
A juíza Graciene admite que houve interferência dos advogados e que a sentença não foi a esperada. Porém, segundo ela, aplicou a pena de acordo com a votação dos jurados. “Houve interferência. Mas, em um júri o juiz de direito, apenas coordena e mantém a ordem na sessão. A decisão sai dos jurados que são os juízes de fato. O juiz de direito, apenas aplica a pena” explicou.
Como que se antevendo, o resultado favorável, o advogado Kleber de Souza, que atuou na defesa de Ailton, ao instruir o jurado, no final de réplica ironizou: “os senhores votem de acordo com as suas consciências, porque essa juíza tem a mão pesada igual a de Anderson Silva” disse se referindo ao lutador de Artes Marciais Misturadas (MMA).
Atuaram na defesa do grupo, os advogados Kleber de Souza Silva e Wilson Wagner Pereira Cardoso e o defensor público João Augusto de Sanctis Garcia. O julgamento durou dois dias. Teve início na manhã de segunda-feira e só encerrou às 18h de terça. Os jurados permaneceram separados, em um hotel da cidade, na noite de segunda para terça-feira. 40 policiais participaram da escolta dos presos de Cuiabá para Cáceres e a segurança do plenário durante o júri.
Comandante do 6º Batalhão de Polícia Militar (6º BPM), major Adalberto Gonçalves de Paula, onde a vítima, o cabo Marcos Oliveira Sabala, era lotado, não se conteve. “Isso é uma desmoralização para o próprio Estado, que não protege o seu servidor. Se fosse um policial receberia a pena máxima. Como é um vagabundo que tirou a vida de um agente de segurança em serviço na defesa da sociedade é colocado em liberdade” concluiu o desabafo enfatizando que “o resultado desse júri é um recado de que a vida de um policial não vale nada e desmotiva a corporação, enquanto incentiva o vagabundo à praticar atos dessa natureza”.
Irmão do policial assassinado, Manoel Sabala, disse que “o que ocorreu em Cáceres é uma vergonha. É a maior decepção que a nossa família poderia passar e imaginar”, disse. Prevendo que o julgamento favorecesse os acusados, a esposa do PM assassinado, Camila da Cruz Sabala, se retirou antes do anúncio da sentença. “Já sei onde isso vai dar. Estou descrente”, afirmou.
Kesiane Oliveira, agente prisional, que ficou sob o poder de um dos invasores e que, segundo ela, só não morreu porque o revólver teria negado, quando ele puxou o gatilho, também não se conteve: “essa decisão foi a maior frustração de minha vida”. Ela chorou ao lembrar que “foi Deus quem me salvou. Quando ele me puxou e colocou a arma embaixo do meu ouvido eu disse Sangue de Jesus tem poder. E, nessa hora eu ouvi que a arma tinha negado”. Um estudante de Direito, que acompanhou os dois dias de julgamento disse que “depois do que ocorreu aqui hoje já não teno”.ho tanta certeza se é isso mesmo que eu quero.