terça-feira, 22 de fevereiro de 2011
PMs são investigados por execução e milícia no Aglomerado da Serra
Hipótese mais forte, sustentada por uma testemunha, é de que tio e sobrinho foram executados por homens da Rotam
Fernando Zuba - Repórter - 22/02/2011 - 06:55
WESLEY RODRIGUES
A Polícia Militar (PM) ocupou o Aglomerado Serra após o confronto no domingo
Pelo menos cinco versões são levantadas para explicar as mortes dos dois moradores do Aglomerado da Serra ocorridas na madrugada do último sábado (19). A mais forte delas é de que Jefferson Coelho da Silva, 17 anos, e Renilson Veriano da Silva, 39, foram executados sumariamente por agentes do Batalhão de Rondas Táticas Metropolitanas (Rotam). A afirmação é do presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa, deputado Durval Ângelo (PT).
De acordo com o parlamentar, uma mulher que testemunhou o episódio já prestou depoimento junto à Polícia Civil informando em que circunstâncias ocorreram os assassinatos. Outras versões sobre o fato vieram à tona e ainda estão sem resposta. Uma delas é de que policiais da Rotam frequentariam o aglomerado para buscar propinas de traficantes.
Cinco versões para as duas mortes no Aglomerado Serra
A explicação da Polícia Militar é de que Jefferson e Renilson, que eram sobrinho e tio, estavam de posse de fardas exclusivas do Grupamento de Ações Táticas Especiais (Gate) e da PM. Além disso, estariam armados e teriam recebido a polícia com tiros, o que justificaria o revide imediato.
No entanto, familiares, amigos e vizinhos das vítimas garantem que elas jamais possuíram qualquer tipo de arma e que nunca utilizaram fardas. Os uniformes e os revólveres teriam sido “plantados” para legitimar a versão da PM.
Há também uma vertente que denuncia que uma milícia agiria no Aglomerado da Serra. Policiais e ex-policiais estariam cobrando uma taxa dos moradores em troca de proteção contra traficantes. Nesta hipótese, Jefferson e Renilson teriam sido associados ao tráfico.
Algumas testemunhas, porém, alegam que tudo começou no Mirante do Mangabeiras, na Região Centro-Sul da capital, na noite da última sexta-feira. Uma batida da Rotam no local teria feito motoqueiros fugir em direção ao Aglomerado da Serra, onde as duas vítimas teriam sido abordadas por engano e mortas.
De acordo com o deputado Durval Ângelo, mais de 90% dos casos envolvendo abuso de policiais no Estado não são apurados. “Aguardamos a cópia do depoimento da moradora que presenciou a execução para tomarmos as medidas cabíveis”, explica. Se confirmada a denúncia, o parlamentar defende afastamento definitivo dos policiais. Além disso, vai requerer a inclusão da mulher no programa de proteção a testemunhas.
Na segunda-feira, centenas de moradores do aglomerado realizaram uma passeata em protesto contra a ação da polícia. O líder do movimento “Paz na Serra”, Alexandre Ribeiro, 32 anos, foi quem organizou a manifestação, que ocorreu de maneira pacífica. O grupo partiu da Praça do Cardoso, no aglomerado, e seguiu até a Assembleia Legislativa. Com faixas e cartazes, pediu justiça e o fim da impunidade de agentes das forças policiais. Um ônibus foi usado para transportar parte dos manifestantes. Os demais foram de carro e motos.
Uma comissão formada por dez moradores foi recebida pelo presidente da assembleia, deputado Dinis Pinheiro (PSDB). Ao fim do encontro, os parlamentares informaram que vão convocar o Comando Geral e a Corregedoria da PM para uma audiência pública. O objetivo é esclarecer as duas mortes.
Policiais envolvidos são afastados
O secretário de Estado de Defesa Social, Lafayette Andrada, afirmou ontem, durante coletiva de imprensa, que os quatro policiais militares envolvidos no confronto – três soldados e um sargento do Batalhão de Rondas Táticas Metropolitanas (Rotam) – foram afastados de suas funções. Eles permanecerão trabalhando em setores administrativos da corporação até que o inquérito para apuração do caso seja finalizado.
Andrada não confirma se foram eles os autores dos disparos que resultaram nas duas mortes. O que o secretário alega é que, naquele dia, os policiais da Rotam foram mal recebidos no aglomerado por um grupo de dez a 12 pessoas armadas, o que provocou o tiroteio entre eles. “Durante o patrulhamento, um dos PMs foi atingido por uma bala que partiu dos civis e os policiais revidaram”.
Sobre as denúncias de moradores do aglomerado de que homens da Rotam estariam no local para receber propina de traficantes, Andrada foi sucinto. Afirmou que as suspeitas também serão investigadas.
“Já foi aberto o inquérito policial que poderá esclarecer todas essas questões. Os moradores da comunidade serão ouvidos e a investigação terá o acompanhamento do Ministério Público como forma de dar mais transparência ao processo. O que pedimos agora é serenidade da população. Os equipamentos públicos, como postos de saúde e escolas, e o transporte precisam voltar a funcionar normalmente. Caso contrário, a própria comunidade será prejudicada”, diz Andrada.
O assessor de comunicação da PM, tenente-coronel Alberto Luiz, afirma que os integrantes do bando que confrontou a polícia não foram identificados. Mas eles fariam parte de uma quadrilha de tráfico de drogas.
O tenente-coronel informou também que apesar de ser o Grupo Especializado em Policiamento de Áreas de Risco (Gepar) o mais próximo da comunidade no dia a dia, também é normal que a Rotam patrulhe o local. O prazo para conclusão do inquérito é 40 dias, prorrogável por mais 20.
Revolta vem da indiganação
A revolta da população da Vila Marçola contra a Polícia Militar, para especialistas, revela duas características presentes nos aglomerados do país. A primeira, uma nova percepção da população sobre direitos humanos e a exigência do respeito. A segunda, que o ambiente de desigualdade social e da falta de perspectiva dos moradores gera um sentimento de indignação silencioso, que explode diante de situações extremas.
Para a psicóloga Sylvia Flores, o sentimento de injustiça vai se modificando a partir da percepção das pessoas do que é certo ou errado. Para ela, as ações da Polícia do Rio de Janeiro no processo de pacificação dos morros cariocas trouxe a crença de que as intervenções podem acontecer sem efeitos colaterais para as comunidades.
“Antes, uma ação bem planejada da polícia era um clamor, um pedido. Hoje, com esta nova percepção, se tornou obrigatória a exigência de um tratamento igual ao visto no Rio de Janeiro, onde são feitas ações de pacificação e não uma simples caça a bandidos”.
Ainda segundo Sylvia, apesar da nova percepção, as comunidades carentes se sentem impotentes diante da sociedade para expressar suas indignações por meio da Justiça. E é exatamente a falta de crença dessa população que faz a insatisfação explodir em violência.
Para o psiquiatra e psicanalista Marco Aurélio Baggio, a revolta no Aglomerado da Serra é consequência dos conflitos sociais impostos a quem mora nas regiões menos abastadas. A pobreza, a miséria e a falta de perspectivas se tornam sentimentos reprimidos que, vez ou outra, se transformam em revolta. “Revolta que vem da indignação, principalmente de mulheres mães e jovens diante da falta de um encaminhamento social. O país tem milhões de pessoas que estão suscetíveis, por falta de horizonte e de inserção social, de explodirem a qualquer momento”.
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