Assalto a trem pagador ainda gera lucros para a quadrilha
BERNARDO MELLO FRANCO
DE LONDRES
DE LONDRES
Depois de 50 anos, o Reino Unido continua fascinado por uma ação de bandidos que desafiou a polícia e o governo britânico: o assalto ao trem pagador, também conhecido como "crime do século".
A ação durou pouco mais de uma hora, mas até hoje é alvo de debates acalorados e virou tema de uma nova fornada de livros, documentários e filmes de ficção.
Dos 17 participantes do roubo, só quatro sobrevivem. Ao menos dois deles, Ronald Biggs e Douglas Gordon Goody, ainda faturam com as memórias do crime lendário.
Pesquisadores e integrantes da quadrilha ainda divergem sobre detalhes da ação. Mas quase todos concordam que os tabloides britânicos turbinaram o mito e valorizaram o papel de bandidos e mocinhos para vender mais.
Na madrugada de 8 de agosto de 1963, uma gangue liderada por Bruce Reynolds parou o trem que viajava de Glasgow para Londres carregado de dinheiro vivo após um feriado bancário.
Os ladrões adulteraram um sinal para fazer o trem parar, golpearam o piloto Jack Mills com uma barra de ferro e tomaram o segundo vagão, que transportava os valores.
Editoria de Arte/Folhapress | ||
Depois de amarrar os funcionários dos correios a bordo, eles arrastaram parte da composição por mais 1,6 km até o local da fuga.
De mão em mão, os assaltantes levaram £ 2,6 milhões em dinheiro vivo -hoje equivalentes a £46 milhões ou R$ 158 milhões, a serem repartidos igualmente.
A lenda só começava ali. Um julgamento draconiano, que condenou os integrantes da quadrilha a 30 anos de prisão, e uma série de fugas espetaculares aumentaram o interesse popular na história.
Aos poucos, os bandidos foram se transformando em heróis aos olhos do público britânico, que vibravam a cada aparição na mídia de figuras como Ronald Biggs, que fugiu para o Brasil.
"O assalto aconteceu num ano em que o mundo estava de olho no Reino Unido. Em 1963, os Beatles estouraram, os Rolling Stones lançaram o primeiro disco e a revolução sexual ganhou as ruas", disse à Folha Christopher Pickard, autor do novo livro "The Great Train Robbery".
A BBC prepara um filme com atores, em duas partes, a ser lançado até o fim do ano.
Em outra produção, um documentário, o ex-ladrão Gordon Goody promete revelar um dos mistérios que sobrevivem até hoje: a identidade do informante "The Ulsterman", que possibilitou a ação.
Segundo os pesquisadores Nick Russell-Pavier e Stewart Richards, o assalto já deu origem a 27 livros, 17 documentários de TV e quatro longas-metragens. Em março deste ano, o funeral de Reynolds virou uma espécie de celebração do crime quase perfeito.
"Se me perguntarem se lamento ter participado do roubo, minha resposta é não", disse Biggs semana passada.
"Eu diria mais: estou orgulhoso de ter feito parte do grupo. Eu estava lá naquela noite de agosto, e isso é tudo que conta. Sou uma das poucas testemunhas, vivas ou mortas, do crime do século."