Breves comentários sobre a função sui generis dos chaveiros nos presídios
A priori é importante remontar alguns alicerces do Estado para fazer uma análise sobre a função do chaveiro. O sociólogo Max Weber descreveu em seu livro Economia e Sociedade as funções basilares de um Estado Moderno: o estabelecimento do direito legítimo, a posição da segurança pessoal e da ordem pública (polícia), a proteção dos direitos adquiridos (justiça), o cultivo de interesses higiênicos, pedagógicos, político-sociais e outros interesses culturais da administração, a proteção organizada, por meios violentos, contra inimigos externos.
Esse conceito de Estado é o que fundamenta a formatação burocrática, jurídica, penal e policial que faz parte das sociedades organizadas, sendo o alicerce, também das atuais democracias. Nesse sentido, o Estado é quem tem o monopólio da força, para proteger a sociedade, pois só ele faz aplicar as regras formais. Destarte, uma vez que o monopólio do poder físico passa para os comandos centrais, salienta-se que nenhum homem forte pode se permitir o prazer da ofensiva contra alguém. Mesmo o Estado que tem o monopólio da força necessária e adequada, deve contemplar a legalidade de um Estado em regime democrático, que venha a garantir direitos, e não somente deveres. Portanto, ninguém deve usurpar ou substituir a figura do Estado ou de seus agentes no uso da coercitividade.
Entretanto, no sistema penitenciário de Pernambuco a figura do agente público que é representante do Estado foi substituída por um “agente paralelo”, conhecido como chaveiro. O surgimento de tal função nos presídios decorreu da retirada vultuosa do efetivo da policia militar dos presídios acerca de dez anos atrás, quando se imaginava que os agentes penitenciários conseguiriam fazer a manutenção de todo o sistema prisional. Desta forma, os policiais militares voltariam a fazer a sua função típica, ou seja, o policiamento ostensivo nas ruas.
O chaveiro é um detento que controla o ingresso e a saída dos presos na carceragem, esses detentos possuem privilégios especiais. São prerrogativas desses “funcionários”, por exemplo, dormir em celas separadas, ter comunicação com alguns diretores através do celular e em alguns casos influenciam na transferência de preso. O poder auferido é de tanta expressão que alguns chaveiros se intitulam de “síndicos do sistema”, ou seja, o presídio é um condomínio e os chaveiros são os síndicos. Tais “funcionários” têm a certeza que a cadeia só se movimenta graças a prestação de seus serviços, é como se fosse um múnus público incumbido a esses agentes paralelo ao sistema legal brasileiro. Impende salientar, que muitos desses chaveiros recebem salário, embora não seja remunerado pelo Estado, cabe ressaltar ainda que alguns desses chaveiros são responsáveis pela limpeza nos pavilhões e celas, sem olvidar a força de comando e administração do mercado ilegal dentro do ambiente insalubre dos presídios.
Também é função do chaveiro observar os presos, “encaminhá-los” aos advogados, serviço social e cobrar taxas. Essas taxas são revertidas segundo os chaveiros do presídio para o pagamento de assinaturas de TV fechada, como por exemplo, SKY e Directv, para a manutenção e reforma dos pavilhões, já que o Estado não assegura as mínimas condições inerentes à dignidade da pessoa humana.
Diante desse contexto, o chaveiro assume a lacuna deixada por um Estado falido em garantir direitos, aplicando regras inócuas, pois a realidade que temos é espúria, onde presos tem que pagar pelos serviços que teriam direito em um sistema penitenciário democrático e “legítimo” (praticável com observância não só das leis, mas com a realidade dos direitos que o cidadão-preso possui).
Em Pernambuco, a função do chaveiro nos presídios vem sendo discutida entre as autoridades públicas. O magistrado Adeildo Nunes, tentou resolver o problema através de uma portaria de nº 23, que previa um prazo de 120 dias ao governo do Estado para acabar com a força paralela de gestão nos presídios pernambucanos, no entanto, mais de uma no após a justiça baixar uma portaria para extinguir a figura do chaveiro, o Estado demonstra impotência e não consegue resolver a questão. A título de exemplo podemos citar a reportagem realizada pelo Jornal do Commercio em 2009, que constatou a presença de 32 chaveiros nos cinco maiores presídios e penitenciárias da região metropolitana do Recife.
Alguns questionam a omissão do Ministério Público, tendo em vista que poderia ingressar com uma ação civil pública contra o Estado, para que a figura ilegal dos chaveiros fosse banida dos presídios pernambucanos.