terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Prisão ao ar livre obriga detentos a usar cuecas rosas no Arizona


Reportagem do iG visitou Tent City, cadeia do ‘xerife mais durão da América’ montada para alojar imigrantes e criminosos comuns

Leda Balbino, enviada a Phoenix, EUA

 SE ISSO FOSSE NO BRASIL, TADINHO DOS PRESOS (ISSO É UMA VERGONHA)


Não há sensação de ameaça enquanto se caminha sobre os cascalhos de Tent City, prisão ao ar livre na capital do Arizona, Phoenix, montada em tendas de acampamento e planejada por Joe Arpaio - o autointitulado “xerife mais durão da América”.

O que há é uma sucessão de olhares cansados de prisioneiros que sabem ter-se tornado alvo de curiosidade por serem humilhados ao uso compulsório de cuecas, lençóis e toalhas cor de rosa bebê ou pink e por terem de assar durante o verão em barracas de lona sob o calor de 45ºC do Deserto de Sonora.
À medida que o visitante, acompanhado por um oficial armado com uma pistola e óculos de sol, invade com uma câmera a privacidade de seus beliches de lençóis revirados, os presos com uniformes listrados que parecem saídos de desenhos animados voltam aos poucos à rotina de conversar, ler ou simplesmente esperar o tempo passar.
Proposta por Joe Arpaio em 1992 na campanha eleitoral para xerife do condado de Maricopa (que inclui Phoenix), Tent City foi erguida no ano seguinte pelos próprios detentos em tendas do Exército americano e cercada por grades cobertas com camuflagem também cedida pelos militares dos EUA. No local, uma torre de observação de 15,4 metros de altura pisca durante as 24 horas do dia uma placa com o sinal de “Vacancy” (Há Vagas, em tradução livre).

Segundo o xerife de 78 anos, que em 2012 disputa o sexto mandato consecutivo, o luminoso de lâmpadas vermelhas tem o objetivo de mostrar aos criminosos que sempre haverá lugar nas seis prisões - incluindo Tent City - sob seu comando. “Custou US$ 150 mil montar essa cadeia, enquanto uma prisão normal para 2 mil pessoas custaria US$ 8 milhões. Poupei muito dinheiro”, disse em entrevista ao iG.
Para economizar mais, Arpaio não terceiriza a manutenção de seu sistema prisional, delegando aos detentos de Tent City as atividades como produção dos alimentos ou limpeza das instalações.
“Tent City está vazia agora porque os presos estão trabalhando”, explicou o oficial Bunch, de 34 anos, durante visita do iG ao local, onde o ex-marine presta serviço desde 2005. “Os que estão aqui foram dispensados por razões médicas ou por serem um número superior ao necessário para a execução das atividades”, explicou.

A prisão é composta por dois pátios, que atualmente abrigam 1,5 mil prisioneiros. No ‘N’ ficam os americanos ou imigrantes legais, que foram condenados por crimes como dirigir sob a influência de álcool ou outras drogas (DUI, na sigla em inglês) ou portar entorpecentes. Segundo Arpaio, os acusados de crimes violentos, como estupro e assassinato, ficam nas cadeias tradicionais em vez de em Tent City.
Imigração ilegal
No Pátio ‘O’ estão os prisioneiros com pendências judiciais com agências americanas ou com outros países e os imigrantes sem documentos, explicou Bunch. “Eles foram presos por cometer delitos como o DUI, por dirigir sem carta de habilitação, por portar drogas ou por ser coiotes (ajudar imigrantes a cruzar a fronteira dos EUA ilegalmente)”, afirmou o oficial.

Dos “8 mil a 10 mil” presos em suas seis cadeias, 15% são imigrantes ilegais e, segundo Arpaio, a maioria está presa à espera de comparecer perante a Justiça por vários tipos de crimes. O xerife, porém, nega a acusação de seus críticos de que usa critérios raciais para prender deliberadamente no condado de Maricopa os que não têm documentos, mesmo que não tenham cometido nenhum delito.
Segundo o mexicano de Chihuahua Vitor Hugo, de 29 anos, o motivo de ele e outros estarem no Pátio ‘O’ é “apenas o fato de não ter papéis”. Detido em janeiro após ser parado no trânsito, Vitor Hugo cumpre em Tent City uma pendência judicial por estar nos EUA apesar da advertência de que seria sentenciado a seis meses se retornasse ao país após a deportação.
Com audiência marcada para 10 de novembro, o mexicano pode ser expulso mais uma vez, mas indicou que deve continuar desafiando a Justiça dos EUA. Com sua mulher e duas filhas também no país, ele afirma que o risco de retornar ilegalmente vale a pena apesar da recessão econômica americana. “Mesmo ruim, a situação aqui é melhor do que a do México”, afirmou.


Métodos heterodoxos

Por causa de suas instalações e métodos incomuns, Tent City atrai a curiosidade de policiais, jornalistas e público em geral. Por um número de telefone, é possível agendar visitas gratuitas para grupos de no máximo 20 pessoas. "Basicamente, essa não é uma prisão típica”, disse Bunch justificando o interesse.
Os curiosos querem ver os prisioneiros nas barracas com as heterodoxas meias, toalhas, lençóis e cuecas rosas, tom adotado em todas as seis cadeias sob o comando de Arpaio. “Quando utilizávamos peças brancas, os presos as roubavam ao serem libertados”, contou Bunch.
O efeito publicitário da medida foi tão bem-sucedido que o pink virou até a cor das algemas, numa marca registrada de Arpaio não por referir-se indiretamente à sua masculinidade, mas por ter o objetivo de humilhar a alheia. “Os presos odeiam pink. Por que lhes daria uma cor de que gostam?”, indagou. “Em relação às algemas, as temos dessa cor para evitar que sejam levadas sem querer por agentes de outros departamentos que usam nossas prisões.”
Os prisioneiros não têm permissão de ler revistas masculinas e têm acesso a apenas quatro canais de TV: CNN, Weather Channel (do tempo), ESPN e Food Network (de receitas). Também não podem receber alimentos de seus parentes, que apenas têm permissão de depositar em uma conta do detento dinheiro para ser usado na compra de guloseimas em máquinas de venda automática.


“Nós alimentamos os presos, que têm de comer a minha comida, que não é boa. Não vai acontecer de deixarmos que alguém traga um bife ou uma pizza de pepperoni para eles”, afirmou Arpaio.

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