Eli Narciso Torres: "A prisão e a invisibilidade social do agente prisional"
Socióloga, Pesquisadora e Doutoranda pela Universidade Estadual de Campinas/UNICAMP – (Servidora penitenciária licenciada)
Todos sabem que estou afastada da função de Agente Penitenciário Estadual para tratar de assuntos particulares, mas o distanciamento do trabalho, literalmente trabalho no cárcere, não me isenta da obrigação de solidarizar-me com a categoria.
Trabalhamos naquela função que assusta inicialmente pelo perigo, ainda, causa asco em alguns, que viram imediatamente o nariz, pela proximidade com o submundo dos encarcerados.
Uma construção social do operador penal, alimentada, às vezes, pelos resquícios de práticas, cada vez mais isoladas, porém medievais ou pela imagem do carcereiro do séc. XVI da qual tardiamente o agente prisional, ainda não conseguiu descolar-se. Construção mediada, sobretudo, pelos baixos salários. Cá pra nós! O valor econômico auxilia e estabelece parâmetros sociais sobre o que é ou não uma profissão de prestígio.
Assim, num primeiro momento é necessário refletir que o agente penitenciário faz parte de uma categoria que vê e não é vista, ou melhor, vítima de invisibilidade social em decorrência do trabalho na prisão, salários desproporcionais à função e, especialmente, desrespeitada pelo próprio poder estatal.
Mas continuamos lá... Não podemos parar! A prisão é um mundo desleal e literalmente enlouquecedor (vide o livro Carcereiros com a descrição “da realidade literária” de DráuzioVarela). Se escrevêssemos, também, um livro, com os relatos nada literários que só os encarcerados [agentes e presos] sofrem e sabem! Acontecimentos diários que desumanizam e vitimizam seres humanos, quase sempre, proporcionados pela precariedade e omissão do Estado penitenciário!
A categoria foi às ruas. Eu, desavisada, não sabia que seria a primeira grande manifestação pública dos agentes no estado de MS, ou seja, histórica. O folheto distribuído dizia: A categoria reivindica melhorias e humanização do sistema penitenciário. Como assim?
Aprisionar não recupera ninguém! Temos que nos preocupar em que condições estas pessoas estão aprisionadas. As prisões estão funcionando como fábrica de delinquência, principalmente, porque o Estado produz reincidentes penais ao desrespeitar, por exemplo, a LEP/84 que estabelece regras jurídicas para os indivíduos em privação de liberdade.
Eles retornarão brevemente à sociedade, ainda mais violentos, por isso, o Estado não pode tratá-los com destroços empilhados de qualquer modo em depósitos penitenciários.
Mas quem se importa? Bandido bom é bandido morto, não é máxima do senso comum?
Enquanto, aqueles com cargos comissionados, reproduzem o discurso recorrente que a prisão ressocializa e que está tudo funcionado muitíssimo bem. Tacitamente dizem: beijinho no ombro pra você aí do corredor! Pra você que carrega as chaves!
Disse em outro lugar, que reconheço o agente como um sobrevivente nesta desproporcional “labuta diária”. Soldados num fronte de guerra, sem barricadas. Convivi com essa gente nobre [a maior parcela] e pouca valorizada que trabalha nas prisões. Tantos saberes e oralidades, compartilhadas durante as madrugadas frias, nos corredores da prisão que fundamentariam um belo roteiro de longa-metragem.
Heróis anônimos, cobaias do Estado que arriscam diariamente suas vidas, como se fosse possível reconstituí-las feito nos filmes de super-heróis.
Plantões com sete, oito servidores para conduzirem penitenciárias abarrotadas de seres humanos. Homens e mulheres que gerenciam diariamente o caos com maestria e, ainda conseguem rir e ironizar sobre a própria sorte.
Como disse o poeta James Russel “Só os tolos e os mortos jamais mudam de opinião” – o servidor penitenciário deve assumir uma nova postura profissional, rompendo com a prática recorrente de subestimar o perigo e minimizar os riscos de morte no trabalho.
In Memoriam de Carlos Augusto Queiroz