Rio - Dentro do Complexo Penitenciário de Gericinó, em Bangu, cada dia é
vivido à espera da liberdade. Especialmente por aqueles que, apesar de não terem
sido condenados por crime algum, ‘cumprem pena’ no local. Cercadas pelos altos
muros dos presídios, 16 famílias sofrem com as privações do sistema
penitenciário. Convivem com a inconveniência de ter a casa revistada e, assim
como os 17 mil vizinhos presidiários, dependem dos agentes para receber
visitas.
As famílias já moravam no terreno antes da construção do complexo, formado
por 23 unidades prisionais. Aos poucos, viram o número de presídios aumentar até
que todo o conjunto foi cercado por muros e guaritas. Esquecidos dentro da área
de segurança máxima, os moradores lutam por indenização para seguir a vida em
outro lugar.
“Morar em um complexo de presídios é horrível. Já entraram na minha casa para
procurar drogas e agora colocaram um agente em frente à minha porta. É muito
constrangimento sair de manhã e dar de cara com um guarda me vigiando. Parece
até que sou uma das presas”, reclama a moradora X.
As ‘visitas’ de agentes penitenciários são mais frequentes em algumas casas,
mas não surpreendem moradores. Acostumados com as rígidas regras que garantem a
segurança do complexo, eles abrem as portas para os agentes sem
discutir.
“Já revistaram minha casa 12 vezes, mas nunca encontraram nada.
Os guardas falam que receberam denúncia e perguntam se podem entrar para fazer
revista. Como não tenho nada a temer e não devo nada a ninguém, autorizo”, conta
o comerciante Héber da Silva Vilela, 60 anos, que mora lá há quase 30.
Já as visitas de parentes e amigos podem ser mais complicadas,
dependendo do plantão. X. conta que até sua mãe, na época com 65 anos, foi
barrada na portaria. “Eles só falam que é ordem, mas não explicam o porquê.
Depende de quem está na guarita”, conta.
Festa com lista de CPFs na guaritaOs moradores sabem
que dependem dos guardas em seu dia a dia. Festas de aniversário, por exemplo,
precisam ser muito bem planejadas para não terminarem antes de começar. Os mais
precavidos mandam relação com nome e CPF de cada convidado para os agentes da
guarita. Eventuais problemas no acesso de alguém que é esperado podem nem chegar
ao conhecimento do aniversariante, já que o sinal de celular é bloqueado.
Para evitar constrangimento, X. já não recebe mais visitas: “É muita
humilhação. Pedi para ninguém ir mais na minha casa para evitar o risco de ser
barrado ou revistado. Isso quando um guarda não cisma com algum morador”.
Sem previsão para pagar indenizaçãoMoradores querem
deixar o complexo, mas dependem da indenização. Poucos conseguem alugar imóveis
perto dali mesmo tendo casa própria em Gericinó. Há 4 anos, a Secretaria
Estadual de Administração Penitenciária teria fotografado as casas e prometido
indenizar todos.
“Falaram que vão nos indenizar conforme as fotos. Por isso, não fazemos
melhorias. Não vou investir e depois perder dinheiro”, diz Héber, cujo quarto
tem reboco caindo. A Seap confirma não ser “conveniente” fazer obras agora, mas
não dá prazo para a desapropriação, que depende de “exigências”.
Convivência incompatível e inseguraPara Elizabeth
Sussekind, professora de Direito da PUC-Rio e UniRio, o estado deveria ter
retirado os moradores antes de começar a construir o complexo. Para ela, a
presença deles compromete a segurança das unidades.
“A primeira coisa deveria ser desalojar moradores e remunerá-los. Eles não
escolheram morar dentro de um sistema prisional. Foi o sistema que escolheu o
terreno deles. Os dois são incompatíveis”, afirma. Em nota, a Seap diz que os
moradores recebem tratamento digno e que não há permissão para revistar suas
casas.
http://odia.terra.com.br/portal/rio/html/2011/9/sem_crime_mas_com_pena_em_regime_fechado_194700.html