Ex-PMs são condenados a 23 anos por mortes no Aglomerado da Serra
Réus deverão cumprir pena, inicialmente, em regime fechado; cabe recurso à decisão, mas ex-PMs não poderão aguardar em liberdade
PUBLICADO EM 20/03/14 - 22h07
Os dois ex-PMs acusados de matar dois moradores do Aglomerado da Serra, na região Centro-Sul de Belo Horizonte, foram condenados a 23 anos e 6 meses, em regime fechado, por homicídio qualificado e porte ilegal de arma. A sentença também inclui 50 dias de multa. Cabe recurso para a decisão, mas Jonas David Rosa, de 27 anos, e Jason Ferreira Paschoalino, de 28, não poderão aguardar em liberdade.
O julgamento dos réus durou três dias e foi encerrado nesta quinta-feira (20), quando aconteceu a fase de debates entre promotoria e defesa. Não houve tréplica após a exposição e a instrução foi encerrada. A condenação foi decidida em uma votação apertada, por 4 votos a 3.
"A gente esperou três anos por isso, só quero deixar claro que não temos nada contra a família deles. Do mesmo jeito que foi triste para gente é para eles. A sentença só traz justiça", disse o sargento Denilson Veriano da Silva, de 44 anos.
Durante a fala da defesa, na tarde desta quinta, o advogado Ércio Quaresma iniciou a argumentação questionando a atuação do delegado, que só ouviu parentes e amigos das vítimas, que não dariam nenhuma declaração para prejudicar as vítimas.
O defensor reiterou a importância do depoimento do médico legista, já que ele disse que não houve execução, e nem tiro à queima-roupa. Quaresma questionou o depoimento da senhora que disse ter visto, pela fresta do portão, quando um indivíduo vestido de blusa de frio e calção foi atingido. Ela pensou ser o filho, o policial gritou para que ela voltasse pra casa. Porém, ele a questiona porque se o tiro devesse dado tiro da distância que ela viu, a quantidade de pólvora deixaria mais marcas.
Depois, ele diz que há espaço entre a arma e a mão para que entre pólvora na palma da mão. Ele fez tudo isso andando entre os jurados com uma arma e simulando tiros.
Farda
Sobre a farda, ele pediu que Jason vestisse uma blusa, que ficou pequena nele. O que poderia levar à dúvida se a roupa pertence, ou não ao réu. Ele reiterou que não está preocupado com o cansaço físico dos jurados. "Eu não quero é a dor na consciência de uma decisão errada", disse.
O defensor afirma que Jonas foi realmente atingido por um tiro, na noite do crime. Segundo ele, a bala ficou dentro do colete. A munição teria sido, inclusive, periclitada.
Antes de terminar a explanação, Quaresma subiu a rampa da sala e disse que, da próxima que o militar estiver em situação de risco, é melhor não usar o fuzil, porque talvez ele precise trocar a farda pela roupa vermelha de detento.
Conversas gravadas
O advogado de Jonas, Agnaldo José de Aquino Gomes, ressaltou que houveram conversas pela rádio da polícia, e que elas foram todas gravadas. Um dos militares disse ao Copom do 22 Batalhão de Polícia Militar que era preciso mandar reforço para a Serra, já que um policial estava ferido. Nessa conversa, outro policial disse estar escutando os tiros.
O advogado fala, de maneira inflamada, que a imagem da Polícia Militar não pode ficar manchada por um crime que os réus não cometeram. Ele explica que Jonas não fez o exame de corpo delito, no dia do crime, porque foi preso.
Gomes explicou que não seria razoável que seu cliente não se defendesse em uma troca de tiros. Ele se exalta ao dizer que "o filho dos senhores jurados pode ser policial e precisar sentar no banco dos réus". Gomes leu o depoimento de outro morador, em que afirmou que existia uma gangue que frequentava o bar.
O advogado criticou o posicionamento do ex-secretário de Defesa Social, e atual deputado, Lafayette Andrada (PSDB) que se pronunciou a favor da expulsão dos réus da Polícia Militar.
O defensor voltou a afirmar que na hora em que a pessoa atira, a expansão dos gases faz com que a pólvora se espalhe, e por isso a mão da vítima ficou com resquício da substância. Um laudo teria comprovado, conforme ele, que a bala que estava no colete foi disparada por uma arma apreendida no local do crime.
Ele pediu que os jurados não mandem para a cadeia dias pessoas de bem que estavam trabalhando.
Lei do silêncio
Novamente, Gomes voltou a duvidar da veracidade do depoimento de moradoras do aglomerado. "Elas não vieram aqui para falar a verdade", afirma.
Ele afirmou que há um crime organizado em Belo Horizonte. E que o governo não deixa que a Rotam suba morro.
O advogado mostrou para os jurados o documento que eles vão precisar responder. Depois que o júri decidir se os réus são culpados ou inocentes, o juiz determina a pena.
Cena do crime teria sido forjada
Para o promotor Francisco Rogério Campos, a cena do crime foi montada. Segundo Campos, as vítimas seriam destras, o que constituiria em uma contradição, já que no local do crime as vítimas Renílson Veriano da Silva, 39, e Jeferson Coelho da Silva, 17, mortos no suposto tiroteio, estariam segurando as armas com as mãos esquerdas.
A acusação também trabalha com um segundo argumento para corroborar a tese. Apesar de os militares que testemunharam a cena do crime terem afirmado que as duas armas encontradas foram usadas, o exame de balística da perícia concluiu que uma delas, de calibre 32, não teria disparado no dia do crime. Além disso, a promotoria argumenta que, em dois anos, apenas um revólver 32 teria sido encontrado no Aglomerado da Serra. Campos se baseia em uma pesquisa realizada a partir do boletim de ocorrência.
A primeira fase do debate também foi marcada por discussões entre o advogado da defesa, Ércio Quaresma, e o promotor Francisco Rogério Campos.
Nesta quinta-feira (20), o julgamento teve início às 9h da manhã, com o depoimento dos réus, os ex-militares Jonas David Rosa, de 27 anos, e Jason Ferreira Paschoalino, 28, que respondem por duplo homicídio.
Questionado pelo juiz, Jason reafirmou a vontade de retornar ao serviço. “Tenho uma cicatriz no coração por ter perdido a minha farda com a qual eu defendia a sociedade. Eu fiz a coisa certa. Se eu sair da cadeia, e Deus me abençoar, volto para a instituição que amo para correr atrás de bandidos, traficantes, estupradores. Eu volto a subir o morro".
Entenda o caso
Na madrugada de 19 de fevereiro, uma incursão policial contra o tráfico de drogas na Vila Marçola, no aglomerado da Serra, terminou com dois mortos, que se tratavam de um filho e um irmão de outro policial militar.
Houve um tiroteio entre policiais e suspeitos, deixando um policial ferido e dois suspeitos baleados, que foram socorridos, mas morreram antes mesmo de serem atendidos.
Na época, houve protestos no aglomerado contra a violência policial. Os familiares das vítimas alegaram que as vítimas jamais tiveram envolvimento com o mundo do crime.
O réu Jason Ferreira Paschoalino já havia sido condenado a 12 anos de prisão por outro homicídio cometido em julho de 2010, no bairro Nova Suíça.
Atualizada às 20h35