29/01/2015 - 15h07
por Pinar Öğünç’s | Evrensel 

Antropólogo norte-americano conta que partido marxista aderiu a práticas de autonomia e exército composto por mulheres expulsou fundamentalistas

Os milicianos armados do EI (Estado Islâmico), terão que reformular uma de suas canções: “O Estado Islâmico permanece, o Estado Islâmico cresce”. Reconhecidos hoje como a maior ameaça fundamentalista do Oriente Médio, o EI acaba de sofrer um inesperado revés, depois de triunfar em consecutivas batalhas contra forças iraquianas e síria. Nesta segunda-feira (26/01), depois de 134 dias de resistência, a guerrilha curda, reunida nas Unidades de Proteção do Povo (Yekîneyên Parastina Gel – YPG), surpreendeu o mundo, expulsando as tropas do EI da cidade de Kobani, em território curdo situado no norte da Síria, junto à fronteira com a Turquia. Trata-se da derrota mais importante imposta sobre o EI na Síria desde sua aparição.
Desde o inicio da ofensiva contra Kobani, em 16 de setembro de 2014, mais de 600 combatentes curdos e 1000 jihadistas morreram. A vitória foi comemorada nas redes sociais após anúncio feito pelo porta-voz oficial do YPG, Polat Can, via Twitter. Assim como o EI, os combatentes curdos articulam-se na rede mundial de computadores. Nas paginas do Facebook Kurdish Resistance & Liberation e Solidariedade à Resistência Popular Curda pode-se acompanhar as fotos e vídeos dos últimos confrontos e a festa de comemoração após a vitória. Nem o mais otimista analista político, nem a poderosa coalizão encabeçada pelos EUA para derrotar o EI, esperavam tamanha proeza. Como é possível que uma guerrilha formada por homens e mulheres, desamparados militarmente pela falta de um Estado oficial, consiga derrotar a tropa mais sanguinária dos últimos tempos?
Divulgação/ Facebook

Integrantes da guerrilha curda na luta contra EI
David Graeber, professor de Antropologia (London School of Economics), passou 10 dias em Cizire – um dos acampamentos em Rojava, zona ocupada pelo curdos ao norte da Síria. Junto com estudantes, ativistas e acadêmicos, ele teve a oportunidade de observar a democracia confederalista curda.
O que motivou a ida de Graeber, foi uma pergunta feita em artigo publicado em Outubro passado no “The Guardian”, durante a primeira semana dos ataques do EI a Kobani: por que é que o mundo estava ignorando os curdos Sírios revolucionários?
Mencionando o seu pai, que se voluntariou para lutar nas Brigadas Internacionais na república espanhola em 1937, perguntou:
“Se existe hoje um paralelo com os assassinos falangistas, superficialmente devotos de Franco, quem será senão o EI? Se existe hoje um paralelo com as Mujeres Libres de Espanha, quem será senão as corajosas mulheres que defendem as barricadas de Kobani? Vai o mundo – e desta vez mais escandalosamente, a esquerda internacional — ser condescendente em deixar que a história se repita?”
Leia mais: Brics vão discutir em março criação de agência de classificação de risco própria, diz diplomata brasileiro

De acordo com Graeber, a zona de Rojava é fundamentalmente anti-estado, anti-capitalista e radicalmente democrática. Uma notável experiência revolucionária na região, que separa o poder coercitivo da administração pública e obriga aulas de feminismo para toda população. Leia a seguir, as impressões políticas que Graeber concedeu a Pinar Öğünç’s. (Cauê Seignemartin Ameni)
No artigo para o Guardian perguntaste por que é que o mundo ignora a “experiência democrática” dos curdos sírios. Depois da experiência de 10 dias, tens uma nova questão ou talvez uma resposta para isso?
Bem, se alguém tinha dúvidas se isto era uma verdadeira revolução, ou só alguma “sombra”, diria que esta visita tira todas as dúvidas. Ainda existem pessoas a dizer: “Isto é só uma frente do PKK (Partido dos Trabalhadores do Curdistão), na verdade são só uma organização autoritária stalinista, que apenas finge ter adotado uma democracia radical”. Não. Isto é mesmo sério. É uma revolução genuína. Mas de certa maneira, é exatamente esse o problema. Os grandes poderes têm-se entregado a uma ideologia que diz que as verdadeiras revoluções já não podem acontecer. Entretanto, muita da esquerda, mesmo a radical, parece taticamente ter adotado a política que assume o mesmo, apesar de parecerem superficialmente revolucionários. Com um tipo de “anti-imperialismo” puritano que assume que os únicos jogadores importantes são os governos e capitalistas, e que esse é o único jogo que vale a pena discutir. O jogo onde se batalha, se criam vilões míticos, se agarra petróleo e outros recursos, montam-se redes de patrocínios; é o único jogo da cidade. O povo de Rojava diz: “Nós não queremos jogar esse jogo. Queremos criar um novo”. Muita gente acha isto confuso e perturbador, então escolhem acreditar que não está acontecendo nada, ou que essas pessoas estão iludidas, são desonestas ou ingênuas.
Desde Outubro que vemos uma crescente solidariedade vinda de vários movimentos políticos de todo o mundo. Houve uma grande e entusiástica cobertura da resistência em Kobani pelos meios de comunicação internacionais. A posição política perante Rojava mudou no Ocidente, de certa forma. Existem sinais significativos, mas estariam discutindo suficientemente a autonomia democrática e as experiências nos cantões de Rojava? Que parte de “algumas pessoas corajosas a lutar contra o grande mal desta era, o EI” não estará a dominar esta aprovação e este fascínio? Acho que é notável que tanta gente no Ocidente olhe para estes quadros de feministas armadas, por exemplo, e nem sequer pense nas ideias por trás delas. Apenas se apercebem que assim aconteceu, por algum motivo. “Penso que é uma tradição curda”. De certo modo, claro que se trata de orientalismo, ou simplesmente racismo. Nunca lhe ocorreu que as pessoas no Curdistão também possam ler Judith Butler. Na melhor das hipóteses pensam: “Oh, estão tentando alcançar os padrões ocidentais da democracia e dos direitos das mulheres. Será que é sério ou será que é só para os estrangeiros verem?”. Não lhes ocorre que eles podem estar levando as coisas bem mais longe que os “padrões ocidentais” alguma vez levaram; que acreditam genuinamente nos princípios que os Estados ocidentais apenas professam.
Divulgação/ Facebook